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terça-feira, 15 de junho de 2010

A DANÇA CONTEMPORÂNEA E AS INTERFACES TECNOLÓGICAS: REPENSANDO OS LIMITES DO CORPO



As tecnologias ‘interativas’ possibilitam à dança contemporânea o acoplamento à interfaces que nos fazem repensar o fator humano em ambientes de criação e investigação de movimentos. O uso de interfaces (extensões biomaquínicas), no binômio dança-tecnologia, conecta o corpo (carbono) ao virtual (silício) enviando e recebendo sinais que permitem interação dinâmica em fluxo contínuo com sistemas computadorizados, criando, assim, ambientes abertos, ambientes de troca e diálogo entre o sistema biológico e o sistema artificial.
Os diferentes propósitos ao se utilizar determinadas interfaces em dança contemporânea, determinam diferentes relações do corpo com o ambiente. Mas, se para a dança contemporânea, o ambiente se define como o lugar de troca e diálogo entre os sistemas, como se define corpo?
Uma das respostas possíveis é que para a dança contemporânea, corpo é informação.
“A partir da Ciência da Interface, que na física moderna propõe o fim dos limites da esfera entre o interior e o exterior, o corpo faz parte de um sistema complexo em suas relações de trocas com o ambiente”1.
A dança contemporânea hoje, especificamente a dança-tecnologia, encontra-se ligada a descobertas científicas, aos questionamentos e desafios que exploram conceitos como a corporeidade, a fisicalidade, a conectividade, a interatividade, a imprevisibilidade, a emergência e a autoorganização, resultantes do feedback constante entre corpo e ambiente, estendendo, os gestos, desta forma, para além dos limites do corpo.
Repensar os limites do corpo e os conceitos de espaço é colocar este mesmo corpo em estados de escuta, de implicação, atenção, de aquisição e comunicação de sinais e ainda de correspondências entre o espaço real (cena) e o espaço virtual (acoplamentos tecnológicos).
WE CAGE mergulha nestas propostas e implicações, ao gerar, com propriedade, condições para que os corpos biológicos sejam interfaceados pelos artefatos tecnológicos e possam modificar e adquirir respostas corporais geradas no processo (aqui-agora). Nas diferentes situações (tarefas a serem cumpridas) observa-se interação: a geração de um ambiente de dança, híbrido, mesclando o artificial e o biológico.
Em WE CAGE, portanto, o corpo do intérprete-bailarino é um elemento ‘atuador’ mas também ‘atualizador’ das informações e dados virtuais contidos no sistema artificial interativo.
O corpo é o sujeito da percepção que provoca mutações e respostas imprevisíveis a partir de toda a potencialidade de um corpo gerando, num determinado momento, um movimento-que-pode-vir-a-ser, em oposição a movimentos predeterminados, fixos ou programados.

REFERÊNCIAS:
1DOMINGUES, Diana. Interface e sensorialidade: corpo acoplado e corporeidade reafirmada em ambientes imersivos de realidade virtual. In: NORA, Sigrid (org.). Húmus 2. Caxias do Sul: Lorigraf, 2007 (p. 191-210).

Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).

terça-feira, 4 de maio de 2010

OBSERVAR/FAZER WE CAGE



Acompanhar essa pesquisa é um desafio para o senso de harmonia e linearidade que nos acompanha desde a Grécia Antiga. Este trabalho é desafiador para toda a equipe, pois ao adotar-se a “aleatoriedade” como parâmetro de construção, assumiu-se o risco constante e a descoberta de novas construções lógicas, muitas vezes recebidas com bastante estranhamento pelo nosso raciocínio.
O observador por sua vez é desafiado também, ao entrar em contato com o risco proposto pelo trabalho nos muitos momentos de imprevisibilidade, da imagem, do som, do corpo, entrando num processo de atualização contínua do raciocínio, considerando que esse processo é um fenômeno corporal.
Mesmo sendo uma pesquisa que tem como ponto de partida a obra Variations V de Merce Cunningham e John Cage, esse trabalho também nos coloca em situação de assimilação da trajetória da humanidade e sua relação com a técnica e complexidade tecnológica, ao nos mostrar o corpo reorganizando a experiência do movimento e da possibilidade de criação da própria imagem a partir da extensão da tecnologia. We Cage nos coloca ante nossa mais pura realidade de uso da tecnologia como extensão do corpo, processo que nos é familiar a milhares de anos.Estagiar nesse processo me abriu muito a percepção da historicidade do corpo e sua relação com a tecnologia (que se complexificou através dos anos), além de ampliar a minha visão como artista para enorme porta que o uso da tecnologia abre para a expressividade e fazer artístico.

A experiência do estágio:
Vale aqui apontar a importância em acompanhar o dia-a-dia de uma companhia de dança profissional e independente, ver como se torna possível a construção de um trabalho como We Cage em apenas um mês e meio de pesquisa. Esse tipo de estágio possibilita a tomada de consciência dos processos de produção de dança disponíveis no momento, e da necessidade de se informar mais sobre as políticas culturais que os viabilizam, para que futuramente possamos discuti-las e até mesmo ter mais força para modificá-las e contribuir para tornar possível que mais trabalhos em dança se realizem com condições e acomodações pertinentes às suas reais necessidades.

Rose Mara Silva, estagiária da FAP – Faculdade de Artes do Paraná / Dança

MERCE CUNNINGHAM: VARIATIONS V E A INTERATIVIDADE

Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).

A partir de experiências colaborativas em processos que privilegiavam a autonomia das artes, Merce Cunningham, em 1965, numa parceria com John Cage, David Tudor, Nam June Paik e Stan VanDerBeek, elaborou o que hoje pode ser considerada uma obra de dança-tecnologias interativas.
Variation V foi um espetáculo extremamente vanguardista para a época. Utilizando uma estrutura musical experimental de Cage, alguns bailarinos e muitos sons interagiam literalmente, por meio de sensores dispostos no cenário. Nesta interação performática, o som era regido e afetado pelos movimentos dos bailarinos. Doze artefatos (antenas cujas bases possuíam células fotoelétricas) eram distribuídos pelo local e de acordo com a movimentação dos corpos emitiam sonorizações diferenciadas. Vários equipamentos (osciladores de freqüência, gravadores, rádios, microfones) eram operados, ao vivo, por músicos, que determinavam a duração, velocidade, repetição e variação de efeitos, recortes, ruídos, interferências, etc...
As imagens projetadas na cena, também faziam parte do espetáculo: informações visuais que emanavam dos corpos recortados dos bailarinos ou ainda, imagens provenientes de coletas prévias, tais como elementos do cotidiano, carros, prédios, árvores, o homem no espaço, etc... Esta coleção de imagens passava pelo crivo, tratamento e distorção de Nam June Paik, o ‘nome próprio’ da videoarte. O ponto de partida (e chegada) de todo o projeto era propiciar a interatividade na cena, exigindo uma nova postura do receptor, menos preconceituosa e ao mesmo tempo atenta, no que vem a ser uma inversão no processo de recepção passiva de imagens ou seqüências de programas gestuais conhecidos.
Assim, em Variation V, o corpo que sempre tomou parte do espetáculo, torna-se o espetáculo em si, porém um espetáculo no qual a dialética entre os padrões de conduta, estética e valores humanos e as estruturas nas quais se apóia entram em crise mediante a desreferencialização e a desterritorialização deste corpo híbrido, cujo trânsito entre o movimento e o som e vice-versa abre fronteiras incontáveis...
A obra desmonta os mecanismos ritualizados, narrativos e previsíveis, enriquecendo-os, com o acaso, tornando-os infinitamente mais dinâmicos e participativos pelo processo da interatividade.
O que possibilita a existência de uma obra como Variation V, em plena década de 1960, é a abertura e o diálogo manifestado pelo coreógrafo e por seus colaboradores, “uma lógica de pensamento artístico situada no limite da articulação entre arte, ciência e tecnologia, colocando a dança em uma organização muito diferente da que, até então, havia sido criada no Ocidente” (SANTANA, 2002, p. 96).
A complexidade estabelecida nesta nova forma de propor e organizar a dança, estava totalmente correlacionada com a nova visão de mundo e com o que acabaria surgindo como arte na era digital.


REFERÊNCIAS:
SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ, 2002.
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A DANÇA E CUNNINGHAM: ESTRUTURA, PENSAMENTO E INDEPENDÊNCIA

Artigo de Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).

A dança para Merce Cunningham parte da idéia de que as linguagens, na cena, não são subordinadas uma às outras, mas formam uma intensa e emaranhada rede de conexões dinâmicas, ou seja, provocam (e se provocam) relações na medida em que são colocadas de forma aleatória, num mesmo tempo e lugar. Fronteiras borrradas.
Quebrando os paradigmas modernistas (gesto significativo, dramaticidade, narrativa) aplicados à dança moderna, afirma Cunningham: “dança é o movimento no tempo e no espaço” (CUNNINGHAM, 1989, p. 12). Qualquer tempo. Qualquer espaço. Qualquer movimento.
Em parceria com John Cage, introduz vários elementos novos e inusitados na maneira de pensar e construir dança. Dança sem hierarquias. Sua ênfase “recai nas questões sobre a introdução do cotidiano, a independência entre as artes [grifo nosso], a não-predicabilidade na técnica e no método composicional, a utilização diferenciada de estruturas de tempo e a introdução do jogo em suas composições coreográficas” (LANGENDONCK, 2004, p. 39).
A partir dos anos 50, Cunningham começa a utilizar o procedimento denominado chance operation na elaboração de suas peças. Este processo do acaso, após o bailarino e coreógrafo ter lido O Livro das Mutações (I Ching) e tornar-se adepto do zen-budismo, por influência de Cage, é um dos pontos de maior relevância do pensamento de sua obra: “frases coreográficas previamente compostas seriam submetidas a sorteios, através do I Ching, de moedas e de outros meios, para decidir em qual ordem elas se sucederiam, qual seu padrão rítmico e sua duração, para quantos e quais bailarinos seriam atribuídas essas frases e como distribuir tudo no espaço” (AMORIM; QUEIROZ, 2002, 88-89).
Nesta visão simultânea dos corpos em movimento, não há foco central, exceto onde o espectador, se não estiver absorvido pelo efeito total, se concentra em cada momento. “Os valores, na cena, se tornam igualados: não há clímax e nem resoluções, o que quer dizer que não há princípio e nem fim necessários” (WOSNIAK, 2002, p. 51).
O fotógrafo e escritor James Klosty, em seu livro Merce Cunningham (1975) afirma que essas danças denominadas events representam tentativas de construir um teatro capaz de conciliar a precisão e o acaso.
O termo event, cunhado por Cunningham, designa seções de danças coreografadas previamente que, por meio de sorteio, tem suas partes recortadas, reordenadas e ‘coladas’ de modo que em cada apresentação uma entidade auto-suficiente do repertório é formada de modo único. Devido às possibilidades dos procedimentos de acaso e aleatoriedade, um event nunca é igual a outro.
A pluralidade dos caminhos investigativas na dança contemporânea deve muito às inovações e diálogos entre as fronteiras artísticas propostos por Merce Cunningham.

REFERÊNCIAS:
AMORIM, G. E QUEIROZ, B. Merce Cunningham: pensamento e técnica. In: PEREIRA, R. e SOTER, S. (orgs). Lições de dança 2. Rio de Janeiro: Editora da UniverCidade, 2002.
CUNNINGHAM, Merce. Entrevista Merce Cunningham. Revista Dançar. Edição Especial Carlton Dance. São Paulo, 1989 (p. 12-13).
KLOSTY, James. Merce Cunningham. New York: Limelight Editions, 1975.
LANGENDONCK, Rosana van. Merce Cunningham: dança cósmica, acaso, tempo e espaço. São Paulo: Edição do Autor, 2004.
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.