terça-feira, 18 de maio de 2010

CORPO DE CARBONO / ARTESANATO



Rocio Infante realiza desde 2006 uma interlocução durante os processos da PIP Pesquisa em Dança, que tem a frente a direção de Carmem Jorge. Aulas de preparação corporal influenciam na construção da pesquisa do movimento abrangendo assuntos como: Corpo como Linguagem. Corpo disponível. Corporeidade e direção de movimento. As aulas são divididas em: aulas na parede, no centro e chão. Um conhecimento corporal facilitador é aplicado aos movimentos buscando identificar e questionar padrões estabelecidos. Desenvolve a percepção dos espaços corporais e articulares, o fluxo em flexibilidade e alongamento. A geografia corporal e a improvisação vem a serviço de um corpo mais disponível. Propicia um diálogo diferenciado a propósito de diferentes enfoques durante o processo de cada trabalho.

CORPO PÓS-HUMANO-MODERNO: SUPERFÍCIE DE UMA NOVA ESCRITA DE DANÇA?

Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).

WE CAGE investiga e instiga as relações entre corpo e tecnologia: a dança como texto híbrido, apresentando o corpo pós-humano-moderno como superfície de uma nova escrita para a dança contemporânea, mediada pelo advento das novas tecnologias digitais.
A referencialidade da imagem-corpo que dança é apresentada enquanto dissolução de fronteiras entre arte e tecnologia, entre o corpo de carbono e o corpo de silício, o real e o virtual. Nem por isso, WE CAGE é menos ‘artesanal’ e sensível do que as demais experiências e proposições de dança para os corpos ‘analógicos’ ou recipientes de conteúdo coreográfico pré-determinado, pronto e ensaiado.
WE CAGE é dança de processos, não produtos. Ato de ‘presentação’ (aqui e agora) e não apresentação formal e literal...
Os corpos, na cena, atingem um patamar em que a dissolução de suas fronteiras físicas, sensíveis e cognitivas, permite assim, um contato, uma permanente troca de informações, mediante a interface entre dois sistemas: o sistema corpo de carbono, das intérpretes-bailarinas, e o sistema corpo de silício, que em WE CAGE dá origem aos ‘corpos híbridos’: corpo-máquina, corpo-extensão tecnológica.
Segundo Lúcia Santaella, nos últimos vinte anos, não apenas nosso corpo, mas também tudo aquilo que constitui o humano foi sendo colocado sob um tal nível de interrogação que acabou por culminar na denominação pós-humano, meio de expressão encontrado para sinalizar as mudanças físicas e psíquicas, mentais, perceptivas, cognitivas e sensórias que estão em processo, decorrentes da re-configuração do corpo humano na sua fusão tecnológica e extensões biomaquínicas. Instaura-se, por assim dizer, a natureza híbrida de um organismo protético ciber, que propõe uma nova forma de relação ou continuidade eletromagnética entre o ser humano e o espaço através da máquina.
Em conseqüência disso, a existência de uma dança em interação com as tecnologias da era digital deixa de ser uma nova estética de arte para tornar-se o reflexo estético da própria evolução deste corpo. Esta hibridação deu origem a um novo sistema, que não é apenas corpo, tampouco se restringe à tecnologia. Esta nova possibilidade da dança existir, transpondo fronteiras e intercambiando um trânsito permeado pela mudança e a diversidade, parece propor ou talvez exigir um corpo fugaz, um corpo medium apto a assumir novas experiências e propostas coreográficas. Um corpo que se especializa e conversa cada vez mais com a tecnologia.

REFERÊNCIAS:
SANTAELLA, Lúcia. Cultura Tecnológica & Corpo Biocibernético. In: LEÃO, Lúcia. Interlab: labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.
_____. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
_____. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.

terça-feira, 4 de maio de 2010

OBSERVAR/FAZER WE CAGE



Acompanhar essa pesquisa é um desafio para o senso de harmonia e linearidade que nos acompanha desde a Grécia Antiga. Este trabalho é desafiador para toda a equipe, pois ao adotar-se a “aleatoriedade” como parâmetro de construção, assumiu-se o risco constante e a descoberta de novas construções lógicas, muitas vezes recebidas com bastante estranhamento pelo nosso raciocínio.
O observador por sua vez é desafiado também, ao entrar em contato com o risco proposto pelo trabalho nos muitos momentos de imprevisibilidade, da imagem, do som, do corpo, entrando num processo de atualização contínua do raciocínio, considerando que esse processo é um fenômeno corporal.
Mesmo sendo uma pesquisa que tem como ponto de partida a obra Variations V de Merce Cunningham e John Cage, esse trabalho também nos coloca em situação de assimilação da trajetória da humanidade e sua relação com a técnica e complexidade tecnológica, ao nos mostrar o corpo reorganizando a experiência do movimento e da possibilidade de criação da própria imagem a partir da extensão da tecnologia. We Cage nos coloca ante nossa mais pura realidade de uso da tecnologia como extensão do corpo, processo que nos é familiar a milhares de anos.Estagiar nesse processo me abriu muito a percepção da historicidade do corpo e sua relação com a tecnologia (que se complexificou através dos anos), além de ampliar a minha visão como artista para enorme porta que o uso da tecnologia abre para a expressividade e fazer artístico.

A experiência do estágio:
Vale aqui apontar a importância em acompanhar o dia-a-dia de uma companhia de dança profissional e independente, ver como se torna possível a construção de um trabalho como We Cage em apenas um mês e meio de pesquisa. Esse tipo de estágio possibilita a tomada de consciência dos processos de produção de dança disponíveis no momento, e da necessidade de se informar mais sobre as políticas culturais que os viabilizam, para que futuramente possamos discuti-las e até mesmo ter mais força para modificá-las e contribuir para tornar possível que mais trabalhos em dança se realizem com condições e acomodações pertinentes às suas reais necessidades.

Rose Mara Silva, estagiária da FAP – Faculdade de Artes do Paraná / Dança

MERCE CUNNINGHAM: VARIATIONS V E A INTERATIVIDADE

Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).

A partir de experiências colaborativas em processos que privilegiavam a autonomia das artes, Merce Cunningham, em 1965, numa parceria com John Cage, David Tudor, Nam June Paik e Stan VanDerBeek, elaborou o que hoje pode ser considerada uma obra de dança-tecnologias interativas.
Variation V foi um espetáculo extremamente vanguardista para a época. Utilizando uma estrutura musical experimental de Cage, alguns bailarinos e muitos sons interagiam literalmente, por meio de sensores dispostos no cenário. Nesta interação performática, o som era regido e afetado pelos movimentos dos bailarinos. Doze artefatos (antenas cujas bases possuíam células fotoelétricas) eram distribuídos pelo local e de acordo com a movimentação dos corpos emitiam sonorizações diferenciadas. Vários equipamentos (osciladores de freqüência, gravadores, rádios, microfones) eram operados, ao vivo, por músicos, que determinavam a duração, velocidade, repetição e variação de efeitos, recortes, ruídos, interferências, etc...
As imagens projetadas na cena, também faziam parte do espetáculo: informações visuais que emanavam dos corpos recortados dos bailarinos ou ainda, imagens provenientes de coletas prévias, tais como elementos do cotidiano, carros, prédios, árvores, o homem no espaço, etc... Esta coleção de imagens passava pelo crivo, tratamento e distorção de Nam June Paik, o ‘nome próprio’ da videoarte. O ponto de partida (e chegada) de todo o projeto era propiciar a interatividade na cena, exigindo uma nova postura do receptor, menos preconceituosa e ao mesmo tempo atenta, no que vem a ser uma inversão no processo de recepção passiva de imagens ou seqüências de programas gestuais conhecidos.
Assim, em Variation V, o corpo que sempre tomou parte do espetáculo, torna-se o espetáculo em si, porém um espetáculo no qual a dialética entre os padrões de conduta, estética e valores humanos e as estruturas nas quais se apóia entram em crise mediante a desreferencialização e a desterritorialização deste corpo híbrido, cujo trânsito entre o movimento e o som e vice-versa abre fronteiras incontáveis...
A obra desmonta os mecanismos ritualizados, narrativos e previsíveis, enriquecendo-os, com o acaso, tornando-os infinitamente mais dinâmicos e participativos pelo processo da interatividade.
O que possibilita a existência de uma obra como Variation V, em plena década de 1960, é a abertura e o diálogo manifestado pelo coreógrafo e por seus colaboradores, “uma lógica de pensamento artístico situada no limite da articulação entre arte, ciência e tecnologia, colocando a dança em uma organização muito diferente da que, até então, havia sido criada no Ocidente” (SANTANA, 2002, p. 96).
A complexidade estabelecida nesta nova forma de propor e organizar a dança, estava totalmente correlacionada com a nova visão de mundo e com o que acabaria surgindo como arte na era digital.


REFERÊNCIAS:
SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ, 2002.
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.