segunda-feira, 26 de abril de 2010

MERCE CUNNINGHAM: SOBRE RÓTULOS E IDÉIAS

Por Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).

There are no labels yet but there are ideas! (trad: não existem mais rótulos, mas sim idéias!)
Esta é uma das afirmações de Merce Cunningham em seu texto The Impermanent Art, escrito em 1952, ao se referir à independência entre as estruturas e a ordem hierárquica na concepção artística: “nos últimos anos, houve uma mudança de ênfase na prática das artes da pintura, música e dança. Não existem mais rótulos, mas sim idéias. Essas idéias parecem estar basicamente relacionadas a alguma coisa que é exatamente o que ela é em seu tempo e lugar, não estando real ou simbolicamente relacionadas a outras coisas. Uma coisa é exatamente essa coisa. É bom que a cada coisa seja concedido esse reconhecimento e essa afeição, e, naturalmente, o mundo sendo como é – ou da forma como nós estamos começando a entende-lo agora – sabemos que cada coisa é também todas as outras coisas, real ou potencialmente. Portanto, parece que não precisamos nos preocupar em fazer com que relacionamentos, continuidade, ordens e estruturas aconteçam – eles não podem ser evitados. Eles são a natureza das coisas, representam nós mesmos, nossos materiais e nosso meio” (VAUGHAN, 1997, p. 86).
Certamente, a dança proposta por Cunningham, por comungar com a natureza e com o meio em que se insere, dialoga, com variados graus de autonomia, com a estrutura sonora, com o figurino, o cenário e a iluminação, criados de maneira independente. Muitas vezes, somente no dia da estréia estas linguagens passam, de fato, a coexistir no meio ambiente, possibilitando a preservação da identidade de cada área: “cada uma convive com a outra por sua particularização no todo, conquistada por ser um ponto discreto no macrossistema” (SANTANA, 2002, p. 69).
Cunningham faz de sua dança o reflexo de um mundo organizado sob a ótica do acaso, do indeterminismo e da teoria da relatividade, proposta por Einstein.
O aspecto mais importante dessa nova forma de dança que se desfaz dos rótulos pré-concebidos e propõe o jogo das idéias em movimento, é que todas as questões sobre espaço, tempo, autonomia entre as partes, descentralização espacial, ou seja, toda a lógica de pensamento de Cunningham, que admite o acaso, a complexidade, a não-linearidade, as leis da natureza, do cotidiano e da vida, tudo parte do e está inserido no corpo que dança.
Tanto o corpo quanto o meio no qual ele se movimenta e dança, ganham características novas, se fundem, dialogam, se complementam e se re-elaboram dinamicamente.
Quanto aos prováveis e abertos processos de interpretação da obra, por parte dos espectadores, Cunningham acredita que cada um fará suas próprias relações e que nenhuma dessas interpretações ou leituras poderá estar equivocada. Por que?
Como criador que considera a dança um processo estabelecido pelos limites do próprio corpo, diz que a dança é, que não significa, e é justamente isto que liberta o espectador da interpretação. Espectador e obra estão dentro de um mesmo processo: o observador, estando inserido no processo da apresentação (aqui e agora), ao contemplar e interagir com a obra, ele estará também, e principalmente, se identificando. E isto é tudo o que importa...

REFERÊNCIAS:
SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ, 2002.
VAUGHAN, David. Merce Cunningham: fifty years. New York: Aperture, 1997
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.

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