sexta-feira, 9 de abril de 2010

A DANÇA E CUNNINGHAM: ESTRUTURA, PENSAMENTO E INDEPENDÊNCIA

Artigo de Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).

A dança para Merce Cunningham parte da idéia de que as linguagens, na cena, não são subordinadas uma às outras, mas formam uma intensa e emaranhada rede de conexões dinâmicas, ou seja, provocam (e se provocam) relações na medida em que são colocadas de forma aleatória, num mesmo tempo e lugar. Fronteiras borrradas.
Quebrando os paradigmas modernistas (gesto significativo, dramaticidade, narrativa) aplicados à dança moderna, afirma Cunningham: “dança é o movimento no tempo e no espaço” (CUNNINGHAM, 1989, p. 12). Qualquer tempo. Qualquer espaço. Qualquer movimento.
Em parceria com John Cage, introduz vários elementos novos e inusitados na maneira de pensar e construir dança. Dança sem hierarquias. Sua ênfase “recai nas questões sobre a introdução do cotidiano, a independência entre as artes [grifo nosso], a não-predicabilidade na técnica e no método composicional, a utilização diferenciada de estruturas de tempo e a introdução do jogo em suas composições coreográficas” (LANGENDONCK, 2004, p. 39).
A partir dos anos 50, Cunningham começa a utilizar o procedimento denominado chance operation na elaboração de suas peças. Este processo do acaso, após o bailarino e coreógrafo ter lido O Livro das Mutações (I Ching) e tornar-se adepto do zen-budismo, por influência de Cage, é um dos pontos de maior relevância do pensamento de sua obra: “frases coreográficas previamente compostas seriam submetidas a sorteios, através do I Ching, de moedas e de outros meios, para decidir em qual ordem elas se sucederiam, qual seu padrão rítmico e sua duração, para quantos e quais bailarinos seriam atribuídas essas frases e como distribuir tudo no espaço” (AMORIM; QUEIROZ, 2002, 88-89).
Nesta visão simultânea dos corpos em movimento, não há foco central, exceto onde o espectador, se não estiver absorvido pelo efeito total, se concentra em cada momento. “Os valores, na cena, se tornam igualados: não há clímax e nem resoluções, o que quer dizer que não há princípio e nem fim necessários” (WOSNIAK, 2002, p. 51).
O fotógrafo e escritor James Klosty, em seu livro Merce Cunningham (1975) afirma que essas danças denominadas events representam tentativas de construir um teatro capaz de conciliar a precisão e o acaso.
O termo event, cunhado por Cunningham, designa seções de danças coreografadas previamente que, por meio de sorteio, tem suas partes recortadas, reordenadas e ‘coladas’ de modo que em cada apresentação uma entidade auto-suficiente do repertório é formada de modo único. Devido às possibilidades dos procedimentos de acaso e aleatoriedade, um event nunca é igual a outro.
A pluralidade dos caminhos investigativas na dança contemporânea deve muito às inovações e diálogos entre as fronteiras artísticas propostos por Merce Cunningham.

REFERÊNCIAS:
AMORIM, G. E QUEIROZ, B. Merce Cunningham: pensamento e técnica. In: PEREIRA, R. e SOTER, S. (orgs). Lições de dança 2. Rio de Janeiro: Editora da UniverCidade, 2002.
CUNNINGHAM, Merce. Entrevista Merce Cunningham. Revista Dançar. Edição Especial Carlton Dance. São Paulo, 1989 (p. 12-13).
KLOSTY, James. Merce Cunningham. New York: Limelight Editions, 1975.
LANGENDONCK, Rosana van. Merce Cunningham: dança cósmica, acaso, tempo e espaço. São Paulo: Edição do Autor, 2004.
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.

Um comentário: