terça-feira, 15 de junho de 2010
A DANÇA CONTEMPORÂNEA E AS INTERFACES TECNOLÓGICAS: REPENSANDO OS LIMITES DO CORPO
As tecnologias ‘interativas’ possibilitam à dança contemporânea o acoplamento à interfaces que nos fazem repensar o fator humano em ambientes de criação e investigação de movimentos. O uso de interfaces (extensões biomaquínicas), no binômio dança-tecnologia, conecta o corpo (carbono) ao virtual (silício) enviando e recebendo sinais que permitem interação dinâmica em fluxo contínuo com sistemas computadorizados, criando, assim, ambientes abertos, ambientes de troca e diálogo entre o sistema biológico e o sistema artificial.
Os diferentes propósitos ao se utilizar determinadas interfaces em dança contemporânea, determinam diferentes relações do corpo com o ambiente. Mas, se para a dança contemporânea, o ambiente se define como o lugar de troca e diálogo entre os sistemas, como se define corpo?
Uma das respostas possíveis é que para a dança contemporânea, corpo é informação.
“A partir da Ciência da Interface, que na física moderna propõe o fim dos limites da esfera entre o interior e o exterior, o corpo faz parte de um sistema complexo em suas relações de trocas com o ambiente”1.
A dança contemporânea hoje, especificamente a dança-tecnologia, encontra-se ligada a descobertas científicas, aos questionamentos e desafios que exploram conceitos como a corporeidade, a fisicalidade, a conectividade, a interatividade, a imprevisibilidade, a emergência e a autoorganização, resultantes do feedback constante entre corpo e ambiente, estendendo, os gestos, desta forma, para além dos limites do corpo.
Repensar os limites do corpo e os conceitos de espaço é colocar este mesmo corpo em estados de escuta, de implicação, atenção, de aquisição e comunicação de sinais e ainda de correspondências entre o espaço real (cena) e o espaço virtual (acoplamentos tecnológicos).
WE CAGE mergulha nestas propostas e implicações, ao gerar, com propriedade, condições para que os corpos biológicos sejam interfaceados pelos artefatos tecnológicos e possam modificar e adquirir respostas corporais geradas no processo (aqui-agora). Nas diferentes situações (tarefas a serem cumpridas) observa-se interação: a geração de um ambiente de dança, híbrido, mesclando o artificial e o biológico.
Em WE CAGE, portanto, o corpo do intérprete-bailarino é um elemento ‘atuador’ mas também ‘atualizador’ das informações e dados virtuais contidos no sistema artificial interativo.
O corpo é o sujeito da percepção que provoca mutações e respostas imprevisíveis a partir de toda a potencialidade de um corpo gerando, num determinado momento, um movimento-que-pode-vir-a-ser, em oposição a movimentos predeterminados, fixos ou programados.
REFERÊNCIAS:
1DOMINGUES, Diana. Interface e sensorialidade: corpo acoplado e corporeidade reafirmada em ambientes imersivos de realidade virtual. In: NORA, Sigrid (org.). Húmus 2. Caxias do Sul: Lorigraf, 2007 (p. 191-210).
Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).
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terça-feira, 18 de maio de 2010
CORPO DE CARBONO / ARTESANATO
Rocio Infante realiza desde 2006 uma interlocução durante os processos da PIP Pesquisa em Dança, que tem a frente a direção de Carmem Jorge. Aulas de preparação corporal influenciam na construção da pesquisa do movimento abrangendo assuntos como: Corpo como Linguagem. Corpo disponível. Corporeidade e direção de movimento. As aulas são divididas em: aulas na parede, no centro e chão. Um conhecimento corporal facilitador é aplicado aos movimentos buscando identificar e questionar padrões estabelecidos. Desenvolve a percepção dos espaços corporais e articulares, o fluxo em flexibilidade e alongamento. A geografia corporal e a improvisação vem a serviço de um corpo mais disponível. Propicia um diálogo diferenciado a propósito de diferentes enfoques durante o processo de cada trabalho.
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CORPO PÓS-HUMANO-MODERNO: SUPERFÍCIE DE UMA NOVA ESCRITA DE DANÇA?
Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).
WE CAGE investiga e instiga as relações entre corpo e tecnologia: a dança como texto híbrido, apresentando o corpo pós-humano-moderno como superfície de uma nova escrita para a dança contemporânea, mediada pelo advento das novas tecnologias digitais.
A referencialidade da imagem-corpo que dança é apresentada enquanto dissolução de fronteiras entre arte e tecnologia, entre o corpo de carbono e o corpo de silício, o real e o virtual. Nem por isso, WE CAGE é menos ‘artesanal’ e sensível do que as demais experiências e proposições de dança para os corpos ‘analógicos’ ou recipientes de conteúdo coreográfico pré-determinado, pronto e ensaiado.
WE CAGE é dança de processos, não produtos. Ato de ‘presentação’ (aqui e agora) e não apresentação formal e literal...
Os corpos, na cena, atingem um patamar em que a dissolução de suas fronteiras físicas, sensíveis e cognitivas, permite assim, um contato, uma permanente troca de informações, mediante a interface entre dois sistemas: o sistema corpo de carbono, das intérpretes-bailarinas, e o sistema corpo de silício, que em WE CAGE dá origem aos ‘corpos híbridos’: corpo-máquina, corpo-extensão tecnológica.
Segundo Lúcia Santaella, nos últimos vinte anos, não apenas nosso corpo, mas também tudo aquilo que constitui o humano foi sendo colocado sob um tal nível de interrogação que acabou por culminar na denominação pós-humano, meio de expressão encontrado para sinalizar as mudanças físicas e psíquicas, mentais, perceptivas, cognitivas e sensórias que estão em processo, decorrentes da re-configuração do corpo humano na sua fusão tecnológica e extensões biomaquínicas. Instaura-se, por assim dizer, a natureza híbrida de um organismo protético ciber, que propõe uma nova forma de relação ou continuidade eletromagnética entre o ser humano e o espaço através da máquina.
Em conseqüência disso, a existência de uma dança em interação com as tecnologias da era digital deixa de ser uma nova estética de arte para tornar-se o reflexo estético da própria evolução deste corpo. Esta hibridação deu origem a um novo sistema, que não é apenas corpo, tampouco se restringe à tecnologia. Esta nova possibilidade da dança existir, transpondo fronteiras e intercambiando um trânsito permeado pela mudança e a diversidade, parece propor ou talvez exigir um corpo fugaz, um corpo medium apto a assumir novas experiências e propostas coreográficas. Um corpo que se especializa e conversa cada vez mais com a tecnologia.
REFERÊNCIAS:
SANTAELLA, Lúcia. Cultura Tecnológica & Corpo Biocibernético. In: LEÃO, Lúcia. Interlab: labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.
_____. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
_____. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).
WE CAGE investiga e instiga as relações entre corpo e tecnologia: a dança como texto híbrido, apresentando o corpo pós-humano-moderno como superfície de uma nova escrita para a dança contemporânea, mediada pelo advento das novas tecnologias digitais.
A referencialidade da imagem-corpo que dança é apresentada enquanto dissolução de fronteiras entre arte e tecnologia, entre o corpo de carbono e o corpo de silício, o real e o virtual. Nem por isso, WE CAGE é menos ‘artesanal’ e sensível do que as demais experiências e proposições de dança para os corpos ‘analógicos’ ou recipientes de conteúdo coreográfico pré-determinado, pronto e ensaiado.
WE CAGE é dança de processos, não produtos. Ato de ‘presentação’ (aqui e agora) e não apresentação formal e literal...
Os corpos, na cena, atingem um patamar em que a dissolução de suas fronteiras físicas, sensíveis e cognitivas, permite assim, um contato, uma permanente troca de informações, mediante a interface entre dois sistemas: o sistema corpo de carbono, das intérpretes-bailarinas, e o sistema corpo de silício, que em WE CAGE dá origem aos ‘corpos híbridos’: corpo-máquina, corpo-extensão tecnológica.
Segundo Lúcia Santaella, nos últimos vinte anos, não apenas nosso corpo, mas também tudo aquilo que constitui o humano foi sendo colocado sob um tal nível de interrogação que acabou por culminar na denominação pós-humano, meio de expressão encontrado para sinalizar as mudanças físicas e psíquicas, mentais, perceptivas, cognitivas e sensórias que estão em processo, decorrentes da re-configuração do corpo humano na sua fusão tecnológica e extensões biomaquínicas. Instaura-se, por assim dizer, a natureza híbrida de um organismo protético ciber, que propõe uma nova forma de relação ou continuidade eletromagnética entre o ser humano e o espaço através da máquina.
Em conseqüência disso, a existência de uma dança em interação com as tecnologias da era digital deixa de ser uma nova estética de arte para tornar-se o reflexo estético da própria evolução deste corpo. Esta hibridação deu origem a um novo sistema, que não é apenas corpo, tampouco se restringe à tecnologia. Esta nova possibilidade da dança existir, transpondo fronteiras e intercambiando um trânsito permeado pela mudança e a diversidade, parece propor ou talvez exigir um corpo fugaz, um corpo medium apto a assumir novas experiências e propostas coreográficas. Um corpo que se especializa e conversa cada vez mais com a tecnologia.
REFERÊNCIAS:
SANTAELLA, Lúcia. Cultura Tecnológica & Corpo Biocibernético. In: LEÃO, Lúcia. Interlab: labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.
_____. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
_____. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.
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terça-feira, 4 de maio de 2010
OBSERVAR/FAZER WE CAGE
Acompanhar essa pesquisa é um desafio para o senso de harmonia e linearidade que nos acompanha desde a Grécia Antiga. Este trabalho é desafiador para toda a equipe, pois ao adotar-se a “aleatoriedade” como parâmetro de construção, assumiu-se o risco constante e a descoberta de novas construções lógicas, muitas vezes recebidas com bastante estranhamento pelo nosso raciocínio.
O observador por sua vez é desafiado também, ao entrar em contato com o risco proposto pelo trabalho nos muitos momentos de imprevisibilidade, da imagem, do som, do corpo, entrando num processo de atualização contínua do raciocínio, considerando que esse processo é um fenômeno corporal.
Mesmo sendo uma pesquisa que tem como ponto de partida a obra Variations V de Merce Cunningham e John Cage, esse trabalho também nos coloca em situação de assimilação da trajetória da humanidade e sua relação com a técnica e complexidade tecnológica, ao nos mostrar o corpo reorganizando a experiência do movimento e da possibilidade de criação da própria imagem a partir da extensão da tecnologia. We Cage nos coloca ante nossa mais pura realidade de uso da tecnologia como extensão do corpo, processo que nos é familiar a milhares de anos.Estagiar nesse processo me abriu muito a percepção da historicidade do corpo e sua relação com a tecnologia (que se complexificou através dos anos), além de ampliar a minha visão como artista para enorme porta que o uso da tecnologia abre para a expressividade e fazer artístico.
A experiência do estágio:
Vale aqui apontar a importância em acompanhar o dia-a-dia de uma companhia de dança profissional e independente, ver como se torna possível a construção de um trabalho como We Cage em apenas um mês e meio de pesquisa. Esse tipo de estágio possibilita a tomada de consciência dos processos de produção de dança disponíveis no momento, e da necessidade de se informar mais sobre as políticas culturais que os viabilizam, para que futuramente possamos discuti-las e até mesmo ter mais força para modificá-las e contribuir para tornar possível que mais trabalhos em dança se realizem com condições e acomodações pertinentes às suas reais necessidades.
Rose Mara Silva, estagiária da FAP – Faculdade de Artes do Paraná / Dança
MERCE CUNNINGHAM: VARIATIONS V E A INTERATIVIDADE
Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).
A partir de experiências colaborativas em processos que privilegiavam a autonomia das artes, Merce Cunningham, em 1965, numa parceria com John Cage, David Tudor, Nam June Paik e Stan VanDerBeek, elaborou o que hoje pode ser considerada uma obra de dança-tecnologias interativas.
Variation V foi um espetáculo extremamente vanguardista para a época. Utilizando uma estrutura musical experimental de Cage, alguns bailarinos e muitos sons interagiam literalmente, por meio de sensores dispostos no cenário. Nesta interação performática, o som era regido e afetado pelos movimentos dos bailarinos. Doze artefatos (antenas cujas bases possuíam células fotoelétricas) eram distribuídos pelo local e de acordo com a movimentação dos corpos emitiam sonorizações diferenciadas. Vários equipamentos (osciladores de freqüência, gravadores, rádios, microfones) eram operados, ao vivo, por músicos, que determinavam a duração, velocidade, repetição e variação de efeitos, recortes, ruídos, interferências, etc...
As imagens projetadas na cena, também faziam parte do espetáculo: informações visuais que emanavam dos corpos recortados dos bailarinos ou ainda, imagens provenientes de coletas prévias, tais como elementos do cotidiano, carros, prédios, árvores, o homem no espaço, etc... Esta coleção de imagens passava pelo crivo, tratamento e distorção de Nam June Paik, o ‘nome próprio’ da videoarte. O ponto de partida (e chegada) de todo o projeto era propiciar a interatividade na cena, exigindo uma nova postura do receptor, menos preconceituosa e ao mesmo tempo atenta, no que vem a ser uma inversão no processo de recepção passiva de imagens ou seqüências de programas gestuais conhecidos.
Assim, em Variation V, o corpo que sempre tomou parte do espetáculo, torna-se o espetáculo em si, porém um espetáculo no qual a dialética entre os padrões de conduta, estética e valores humanos e as estruturas nas quais se apóia entram em crise mediante a desreferencialização e a desterritorialização deste corpo híbrido, cujo trânsito entre o movimento e o som e vice-versa abre fronteiras incontáveis...
A obra desmonta os mecanismos ritualizados, narrativos e previsíveis, enriquecendo-os, com o acaso, tornando-os infinitamente mais dinâmicos e participativos pelo processo da interatividade.
O que possibilita a existência de uma obra como Variation V, em plena década de 1960, é a abertura e o diálogo manifestado pelo coreógrafo e por seus colaboradores, “uma lógica de pensamento artístico situada no limite da articulação entre arte, ciência e tecnologia, colocando a dança em uma organização muito diferente da que, até então, havia sido criada no Ocidente” (SANTANA, 2002, p. 96).
A complexidade estabelecida nesta nova forma de propor e organizar a dança, estava totalmente correlacionada com a nova visão de mundo e com o que acabaria surgindo como arte na era digital.
REFERÊNCIAS:
SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ, 2002.
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).
A partir de experiências colaborativas em processos que privilegiavam a autonomia das artes, Merce Cunningham, em 1965, numa parceria com John Cage, David Tudor, Nam June Paik e Stan VanDerBeek, elaborou o que hoje pode ser considerada uma obra de dança-tecnologias interativas.
Variation V foi um espetáculo extremamente vanguardista para a época. Utilizando uma estrutura musical experimental de Cage, alguns bailarinos e muitos sons interagiam literalmente, por meio de sensores dispostos no cenário. Nesta interação performática, o som era regido e afetado pelos movimentos dos bailarinos. Doze artefatos (antenas cujas bases possuíam células fotoelétricas) eram distribuídos pelo local e de acordo com a movimentação dos corpos emitiam sonorizações diferenciadas. Vários equipamentos (osciladores de freqüência, gravadores, rádios, microfones) eram operados, ao vivo, por músicos, que determinavam a duração, velocidade, repetição e variação de efeitos, recortes, ruídos, interferências, etc...
As imagens projetadas na cena, também faziam parte do espetáculo: informações visuais que emanavam dos corpos recortados dos bailarinos ou ainda, imagens provenientes de coletas prévias, tais como elementos do cotidiano, carros, prédios, árvores, o homem no espaço, etc... Esta coleção de imagens passava pelo crivo, tratamento e distorção de Nam June Paik, o ‘nome próprio’ da videoarte. O ponto de partida (e chegada) de todo o projeto era propiciar a interatividade na cena, exigindo uma nova postura do receptor, menos preconceituosa e ao mesmo tempo atenta, no que vem a ser uma inversão no processo de recepção passiva de imagens ou seqüências de programas gestuais conhecidos.
Assim, em Variation V, o corpo que sempre tomou parte do espetáculo, torna-se o espetáculo em si, porém um espetáculo no qual a dialética entre os padrões de conduta, estética e valores humanos e as estruturas nas quais se apóia entram em crise mediante a desreferencialização e a desterritorialização deste corpo híbrido, cujo trânsito entre o movimento e o som e vice-versa abre fronteiras incontáveis...
A obra desmonta os mecanismos ritualizados, narrativos e previsíveis, enriquecendo-os, com o acaso, tornando-os infinitamente mais dinâmicos e participativos pelo processo da interatividade.
O que possibilita a existência de uma obra como Variation V, em plena década de 1960, é a abertura e o diálogo manifestado pelo coreógrafo e por seus colaboradores, “uma lógica de pensamento artístico situada no limite da articulação entre arte, ciência e tecnologia, colocando a dança em uma organização muito diferente da que, até então, havia sido criada no Ocidente” (SANTANA, 2002, p. 96).
A complexidade estabelecida nesta nova forma de propor e organizar a dança, estava totalmente correlacionada com a nova visão de mundo e com o que acabaria surgindo como arte na era digital.
REFERÊNCIAS:
SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ, 2002.
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.
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segunda-feira, 26 de abril de 2010
MERCE CUNNINGHAM: SOBRE RÓTULOS E IDÉIAS
Por Cristiane Wosniak
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).
There are no labels yet but there are ideas! (trad: não existem mais rótulos, mas sim idéias!)
Esta é uma das afirmações de Merce Cunningham em seu texto The Impermanent Art, escrito em 1952, ao se referir à independência entre as estruturas e a ordem hierárquica na concepção artística: “nos últimos anos, houve uma mudança de ênfase na prática das artes da pintura, música e dança. Não existem mais rótulos, mas sim idéias. Essas idéias parecem estar basicamente relacionadas a alguma coisa que é exatamente o que ela é em seu tempo e lugar, não estando real ou simbolicamente relacionadas a outras coisas. Uma coisa é exatamente essa coisa. É bom que a cada coisa seja concedido esse reconhecimento e essa afeição, e, naturalmente, o mundo sendo como é – ou da forma como nós estamos começando a entende-lo agora – sabemos que cada coisa é também todas as outras coisas, real ou potencialmente. Portanto, parece que não precisamos nos preocupar em fazer com que relacionamentos, continuidade, ordens e estruturas aconteçam – eles não podem ser evitados. Eles são a natureza das coisas, representam nós mesmos, nossos materiais e nosso meio” (VAUGHAN, 1997, p. 86).
Certamente, a dança proposta por Cunningham, por comungar com a natureza e com o meio em que se insere, dialoga, com variados graus de autonomia, com a estrutura sonora, com o figurino, o cenário e a iluminação, criados de maneira independente. Muitas vezes, somente no dia da estréia estas linguagens passam, de fato, a coexistir no meio ambiente, possibilitando a preservação da identidade de cada área: “cada uma convive com a outra por sua particularização no todo, conquistada por ser um ponto discreto no macrossistema” (SANTANA, 2002, p. 69).
Cunningham faz de sua dança o reflexo de um mundo organizado sob a ótica do acaso, do indeterminismo e da teoria da relatividade, proposta por Einstein.
O aspecto mais importante dessa nova forma de dança que se desfaz dos rótulos pré-concebidos e propõe o jogo das idéias em movimento, é que todas as questões sobre espaço, tempo, autonomia entre as partes, descentralização espacial, ou seja, toda a lógica de pensamento de Cunningham, que admite o acaso, a complexidade, a não-linearidade, as leis da natureza, do cotidiano e da vida, tudo parte do e está inserido no corpo que dança.
Tanto o corpo quanto o meio no qual ele se movimenta e dança, ganham características novas, se fundem, dialogam, se complementam e se re-elaboram dinamicamente.
Quanto aos prováveis e abertos processos de interpretação da obra, por parte dos espectadores, Cunningham acredita que cada um fará suas próprias relações e que nenhuma dessas interpretações ou leituras poderá estar equivocada. Por que?
Como criador que considera a dança um processo estabelecido pelos limites do próprio corpo, diz que a dança é, que não significa, e é justamente isto que liberta o espectador da interpretação. Espectador e obra estão dentro de um mesmo processo: o observador, estando inserido no processo da apresentação (aqui e agora), ao contemplar e interagir com a obra, ele estará também, e principalmente, se identificando. E isto é tudo o que importa...
REFERÊNCIAS:
SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ, 2002.
VAUGHAN, David. Merce Cunningham: fifty years. New York: Aperture, 1997
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.
Mestra em Comunicação e Linguagens (linha: Cibermídia e Meios Digitais) pela UTP. Bailarina e coreógrafa profissional. Pesquisadora e professora de História da Dança. Publicou o livro Dança, tecnologia e comunicação (2007).
There are no labels yet but there are ideas! (trad: não existem mais rótulos, mas sim idéias!)
Esta é uma das afirmações de Merce Cunningham em seu texto The Impermanent Art, escrito em 1952, ao se referir à independência entre as estruturas e a ordem hierárquica na concepção artística: “nos últimos anos, houve uma mudança de ênfase na prática das artes da pintura, música e dança. Não existem mais rótulos, mas sim idéias. Essas idéias parecem estar basicamente relacionadas a alguma coisa que é exatamente o que ela é em seu tempo e lugar, não estando real ou simbolicamente relacionadas a outras coisas. Uma coisa é exatamente essa coisa. É bom que a cada coisa seja concedido esse reconhecimento e essa afeição, e, naturalmente, o mundo sendo como é – ou da forma como nós estamos começando a entende-lo agora – sabemos que cada coisa é também todas as outras coisas, real ou potencialmente. Portanto, parece que não precisamos nos preocupar em fazer com que relacionamentos, continuidade, ordens e estruturas aconteçam – eles não podem ser evitados. Eles são a natureza das coisas, representam nós mesmos, nossos materiais e nosso meio” (VAUGHAN, 1997, p. 86).
Certamente, a dança proposta por Cunningham, por comungar com a natureza e com o meio em que se insere, dialoga, com variados graus de autonomia, com a estrutura sonora, com o figurino, o cenário e a iluminação, criados de maneira independente. Muitas vezes, somente no dia da estréia estas linguagens passam, de fato, a coexistir no meio ambiente, possibilitando a preservação da identidade de cada área: “cada uma convive com a outra por sua particularização no todo, conquistada por ser um ponto discreto no macrossistema” (SANTANA, 2002, p. 69).
Cunningham faz de sua dança o reflexo de um mundo organizado sob a ótica do acaso, do indeterminismo e da teoria da relatividade, proposta por Einstein.
O aspecto mais importante dessa nova forma de dança que se desfaz dos rótulos pré-concebidos e propõe o jogo das idéias em movimento, é que todas as questões sobre espaço, tempo, autonomia entre as partes, descentralização espacial, ou seja, toda a lógica de pensamento de Cunningham, que admite o acaso, a complexidade, a não-linearidade, as leis da natureza, do cotidiano e da vida, tudo parte do e está inserido no corpo que dança.
Tanto o corpo quanto o meio no qual ele se movimenta e dança, ganham características novas, se fundem, dialogam, se complementam e se re-elaboram dinamicamente.
Quanto aos prováveis e abertos processos de interpretação da obra, por parte dos espectadores, Cunningham acredita que cada um fará suas próprias relações e que nenhuma dessas interpretações ou leituras poderá estar equivocada. Por que?
Como criador que considera a dança um processo estabelecido pelos limites do próprio corpo, diz que a dança é, que não significa, e é justamente isto que liberta o espectador da interpretação. Espectador e obra estão dentro de um mesmo processo: o observador, estando inserido no processo da apresentação (aqui e agora), ao contemplar e interagir com a obra, ele estará também, e principalmente, se identificando. E isto é tudo o que importa...
REFERÊNCIAS:
SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ, 2002.
VAUGHAN, David. Merce Cunningham: fifty years. New York: Aperture, 1997
WOSNIAK, Cristiane. Dança, tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.
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sexta-feira, 9 de abril de 2010
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